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Uma Juíza trabalhista do Rio de Janeiro testa tolerância do Poder Judiciário

    A juíza Adriana de Moraes em sua posse  na Vara do Trabalho de Barra Mansa O grau de tolerância dos órgãos correcionais do Poder Judiciá...

 

 A juíza Adriana de Moraes em sua posse na Vara do Trabalho de Barra Mansa

O grau de tolerância dos órgãos correcionais do Poder Judiciário com comportamentos inadequados de juízes costuma variar bastante. Reportagem publicada pela ConJur no sábado da semana passada (13/3) mostrou como existe resistência para declarar juízes parciais mesmo em casos claros de interesse pessoal, como se viu na atuação do ex-juiz Sérgio Moro.

Por outro lado, há poucos meses um juiz paulista foi punido com a pena máxima de demissão do cargo porque treinava candidatos para concursos públicos, o que foi enquadrado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo como a proibida atividade de coaching. Há um recurso contra essa decisão pendente de julgamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — a Procuradoria-Geral da República, em parecer, considerou a punição desproporcional.

Houve também caso de pena de censura, depois derrubada pelo CNJ, pelo simples fato de o juiz ser garantista e "soltar muito". De acordo com o conselho, ainda que pudessem ser alvo de divergência doutrinária, as decisões do magistrado tinham cunho jurisdicional e estavam todas devida e detalhadamente fundamentadas, sem mínimos indícios de que o juiz teria atuado em benefício de qualquer parte.

Separar o rigor excessivo da tolerância elástica é um desafio diário de corregedores. Mas existem casos em que é bastante evidente a falta de imparcialidade, decoro e bom senso mínimos para que uma pessoa possa exerce a magistratura. E a tolerância macula a imagem do próprio Poder Judiciário. Para o desembargador Luiz Alfredo Mafra Lino, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), esse é o caso da juíza trabalhista Adriana Maria dos Remédios Branco de Moraes.

Em relatório anexado a uma apuração disciplinar contra a magistrada no TRT-1, o desembargador afirma que a juíza apresenta, de forma reiterada, conduta incompatível com o cargo que ocupa. "Deturpa e desvirtua os fatos, omite fatos relevantes, tergiversa, altera intencionalmente a verdade dos fatos, deduz preliminares manifestamente despropositadas, debocha e tumultua a boa marcha processual, o que, evidentemente, não é o comportamento que se espera de um magistrado", escreveu o desembargador no documento — leia aqui a íntegra do relatório.

Mafra Lino concluiu que a juíza usava clandestinamente os serviços de sua enteada em funções exclusivas de servidores públicos, inclusive na redação de minutas de suas sentenças. Ainda de acordo com o desembargador, mesmo afastada de suas funções na Vara do Trabalho de Barra Mansa (RJ) por causa de processo administrativo anterior, a juíza proferiu decisões em casos nos quais tinha interesse pessoal. Segundo o relatório, ela cometeu infrações até mesmo em sindicância aberta para apurar possíveis desvios em seu trabalho.

Nas 33 páginas do relatório, o desembargador Mafra Lino revela inconformismo com as ações da juíza. O ex-vice-corregedor do TRT-1 classificou a defesa dela como "acintosamente inverídica" e disse que sua alegação em determinados atos "soa como deboche". Lino deixou o cargo de vice-corregedor no final de janeiro. Seu relatório é datado do dia 27 daquele mês e concede prazo de 15 dias para que a juíza apresente defesa prévia.

ConJur questionou o TRT-1, por meio de sua assessoria de imprensa, sobre o andamento atual do processo e se houve apresentação de defesa prévia pela juíza. O tribunal afirmou que não pode prestar informações: "A Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) informa que o procedimento administrativo está em curso e pendente de julgamento. Assim, o órgão se encontra impedido de realizar qualquer manifestação seguindo os termos do artigo 36, III, da Lei Complementar 35/1979".

A reportagem entrou em contato com a juíza, que enviou à ConJur uma manifestação de duas páginas, cuja íntegra pode ser lida aqui. Adriana Maria dos Remédios afirma que a acusação de que usou ilegalmente os serviços de sua enteada em trabalho exclusivo de servidores públicos já foi analisada por "por mais de uma dezena autoridades, encontrando-se absolutamente superada pelo instituto da coisa julgada".

Foi justamente esse argumento da juíza, de que a questão do uso ilegal do trabalho de sua enteada já foi analisada, que fez o desembargador Mafra Lino classificar a defesa da magistrada de "acintosamente inverídica". No relatório, ele lista dez outros procedimentos disciplinares abertos contra a juíza para concluir de que em nenhum deles essa questão foi enfrentada.

Na resposta que enviou à reportagem, a magistrada sustenta que nas investigações "há tantas nulidades e tão robustas provas de que a acusação é inverdadeira que sequer houve a propositura, como se depreende, de instauração de processo administrativo".

Decisões suspeitas
A juíza Adriana Maria dos Remédios Branco de Moraes foi afastada da Vara do Trabalho de Barra Mansa por decisão do Tribunal Pleno do TRT-1, tomada no dia 12 de dezembro de 2019. Consta no relatório do desembargador Mafra Lino que, no dia seguinte, 13 de dezembro, a magistrada enviou e-mail à Corregedoria declarando ter tomado conhecimento da decisão.

Apesar da determinação de afastamento imediato, a juíza ainda decidiu, entre os dias 17 e 20 de dezembro, 37 dos 194 processos que estavam conclusos na Vara de Barra Mansa: proferiu 29 sentenças e determinou oito conversões de julgamento em diligência. Ao explicar o fato ao tribunal, ela afirmou que até 21 de janeiro de 2020 desconhecia a extensão da decisão do Pleno do TRT-1. A explicação não convenceu o desembargador Mafra Lino.

"A partir do momento em que se constata que a juíza requerida declarou, expressamente, ter tomado conhecimento da decisão que a afastou da jurisdição e que daria imediato cumprimento a essa decisão, não há lugar para tergiversações, pois, conforme já visto, o afastamento foi determinado de imediato, e recuso-me a admitir que um magistrado desconheça que juiz afastado do cargo, de imediato, pelo Tribunal Pleno, possa prolatar sentenças", afirmou o então vice-corregedor.

O relatório questiona o argumento da juíza de que pretendia agilizar a prestação jurisdicional e não deixar muitos processos na vara da qual foi afastada por má conduta: "Ora, se a intenção fosse a de não deixar processos em atraso, como se justifica a sua inércia após 20/12/2019 até 21/1/2020, data em que alega ter tido conhecimento de que não poderia prolatar sentenças?". As decisões também não observaram a ordem cronológica dos processos conclusos. Por esses motivos, o desembargador entendeu que a juíza escolheu processos nos quais tinha interesse pessoal, em uma evidente quebra de imparcialidade.

"A conclusão a que se chega é que a juíza requerida, mesmo ciente da decisão plenária que a afastou do cargo, escolheu 37 processos dentre os 194 que lhe estavam conclusos, apressando-se em sentenciá-los entre os dias 17 e 20/12/2019, o que, além de representar consciente descumprimento do que decidido pelo Tribunal Pleno, revela inescondível interesse subjetivo nesses feitos, corroborado pelo esforço despendido nas informações para tentar justificar as condenações proferidas nos dois processos citados na inicial, mesmo sabendo que o teor das decisões não se constitui em ato a ser analisado por esta via administrativa".

A juíza foi afastada da Vara de Barra Mansa em dezembro de 2019 por causa de outra investigação e, em setembro do ano passado, o TRT-1 determinou sua remoção para a 25ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.

Apesar das duras expressões utilizadas pelo desembargador no relatório, à ConJur a juíza disse que sequer estava intimada da proibição de continuar a decidir. E que não há, na acusação, "nem ao menos anotação de quem estaria sendo 'prejudicado', os motivos pelos quais meu agir se daria para prejudicá-los ou qual o liame entre eles, elementos smj essenciais quando se está acusando alguém de ter agido com 'interesse pessoal'".

No relatório, o desembargador Mafra Lino descreve que durante a sindicância que investigou a utilização da enteada da juíza para exercer, ilegalmente, função própria e inerente a servidor público, descobriu-se que e-mails indicados pela juíza para que testemunhas fossem contatadas haviam sido criados e eram administrados por ela própria.

Os endereços de e-mails fornecidos pela magistrada não continham os nomes dos funcionários da Justiça que seriam ouvidos como testemunhas, o que fez a comissão de sindicância entrar em contato com servidores da vara de Barra Mansa para conferir a titularidade dos endereços eletrônicos. Os funcionários informaram desconhecê-los.

O relatório descreve que a juíza requereu o encaminhamento dos convites para suas testemunhas para os seguintes e-mails:

— funcionario1vtbarramansa@gmail.com;
— funcionario2vtbarramansa@gmail.com;
— funcionario3vtbarramansa@gmail.com;
— funcionario4vtbarramansa@gmail.com.

Quando a comissão enviou uma mensagem para o primeiro endereço eletrônico, recebeu uma resposta da própria juíza, que perguntou: "Está havendo algum problema no envio do convite para os e-mails que foram criados para esse fim?".

A comissão concluiu que "tais e-mails foram criados tão somente para receber os convites para a participação na sessão de tomada de depoimentos, mas que não guardam nenhuma relação com quaisquer funcionários" e recomendou à Corregedoria que avaliasse "a conduta da magistrada, neste ambiente de sindicância, por ter criado 4 e-mails fictícios para o recebimento de intimações que deveriam ser dirigidas às testemunhas por ela indicadas".

Conjunto da obra
O desembargador Mafra Lino entendeu que a abertura de outro processo administrativo contra a juíza não seria suficiente frente ao quadro revelado pelas apurações administrativas. Segundo ele, deve ser analisado o "conjunto da obra" por causa de "seu reiterado comportamento contrário às honras do cargo".

O TRT-1 deverá retomar o julgamento de um dos processos contra a juíza Adriana Maria na próxima quinta-feira (25/3). Nesse caso, a magistrada responde por ter dispensado uma perita judicial com mensagem de cunho pornográfico, enviada pelo WhatsApp. Nesse processo há, por enquanto, 25 votos pela aplicação de pena de censura à juíza.

Em dezembro de 2018, ela escreveu para a perita Marisa de Souza e Silva, engenheira e matemática que atuava em processos sob seu crivo, avisando que ela estava destituída da função por quebra de confiança. Em uma das mensagens, disse: "Refletindo ainda sobre o ocorrido, concluí que mais uma vez se deu à Adriana um tratamento de incapaz, de demente, ou daquela que é dominada, você desculpe o vocábulo, por uma piroca fantástica".

O motivo da desavença teria sido uma especulação feita pela perita sobre ameaças do companheiro da magistrada a outro juiz. O caso gerou inquérito da Polícia Federal, depois arquivado. O jornalista Guilherme Amado relatou o episódio em sua coluna na revista Época.

Em sua defesa, a juíza Adriana Maria afirma que a mensagem foi escrita "em um ambiente completamente privado, não tendo sido prolatada, repetida ou referida a qualquer processo, configurando-se verdadeiro exercício do direito à liberdade de expressão". E ataca, dizendo que foi a perita quem "praticou ainda, em tese, várias condutas capituladas criminalmente, dentre outras coisas que passaram a impedi-la de funcionar, a mim, como auxiliar judiciário — seu proceder, em meu ver completamente irregular, me fez até comunicar seu comportamento ao Ministério Público".

Caso não haja adiamento ou pedido de vista, os desembargadores do TRT-1 deverão decidir se a juíza tem razão na sessão próxima quinta-feira. Ainda na manifestação que enviou à reportagem, a juíza diz que passou a ser acusada de cometer ilegalidades por não ceder a pressões e que se tornou alvo de pessoas que respondem "a um sem número de processos em várias instituições".

 é repórter especial da revista Consultor Jurídico.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2021, 8h49

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